Artigo: Gestão Integrada do Território, por Luiz Oosterbeek

A Cúpula Rio+20 redirecionou o foco das atenções sobre as grandes transformações do planeta para a dimensão humana, ao destacar a pobreza como a primeira prioridade a considerar. Na esteira dessa mudança, a comunidade internacional dotou-se de novos e poderosos instrumentos para as necessárias adaptações os novos cenários globais: os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e, mais recentemente, o acordo de Paris sobre o Clima (COP-21). Ao mesmo tempo, não apenas se mantêm diversos programas internacionais estruturantes (Man and Biosphere, Management of Social Transformations, Geoparques, Patrimônio Mundial, …), como se opera uma sua progressiva e desejável articulação, de que é exemplo maior a preparação da Conferência Mundial das Humanidades, em 2017.

Porém, desde o final da década de 1990 com as grandes expectativas geradas pela Eco-92, e já antes pelo relatório da “Comissão Brundtland” de 1987, foram dando lugar à constatação do não cumprimento de nenhuma das principais metas então traçadas, mesmo com avanços no domínio da relação entre planejamento e meio ambiente e no domínio da participação social (com destaque para a Agenda 21).

No final dessa década, programas europeus foram sendo orientados para a gestão multidisciplinar de territórios, e foi nesse âmbito que teve lugar um importante projeto de monitoramento de grandes bacias fluviais do Sul da Europa[1], a que se seguiu a organização do 1º congresso de gestão do território[2], com a participação de especialistas de Portugal, Itália, Roménia, Suécia, Letónia e Irlanda. Aí se começou a forjar um novo entendimento dos processos de sustentabilidade que buscava um novo quadro teórico e metodológico de referência, constatando que o planeta estava ficando pior apesar dos acordos decorrentes da Eco 92.

Durante toda a primeira década do século XXI, em Mação e em diversos cenários se foram organizando intervenções de gestão integrada do território (GIT), que se apoiam na compreensão de que conhecimento (do meio ambiente, da tecnologia e dos processos socioculturais) e a logística são as bases de um processo que deve olhar o futuro enxergando os dilemas de escolha que se oferecem, a cada momento, à sociedade, o que por sua vez favorece a definição de visões convergentes de médio e longo prazo, e também a governança.

É assim que, coordenando um trabalho interdisciplinar ao longo de mais de uma década, com diversos parceiros, o ITM promoveu um novo paradigma[3], que questionou o modelo do chamado tripé da sustentabilidade[4] e identificou a exclusão da centralidade da cultura e do comportamento humano como um erro teórico de base, que conduziu a grande parte dos insucessos das últimas décadas na implementação de acordos sucessivamente elaborados e não cumpridos. É interessante verificar que, ainda que de forma não assumida, a dimensão cultural é cada vez mais citada em artigos, programas e mesmo em convenções, por vezes como mera adição de palavra, outras vezes como quarto pilar. No entanto, a cultura não é meramente um pilar da sustentabilidade, pois ela é o centro do comportamento humano, e o comportamento humano é a essência das ações humanas.

Esta é a perspectiva que atualmente se estrutura a partir da colaboração entre o Conselho Intermacional para a Filosofia e as Ciências Humanas (CIPSH) e a UNESCO, que convergiram na organização em Agosto de 2017 da Conferência Mundial das Humanidades em Liège, Bélgica, na qual as temáticas da sustentabilidade e da relação entre o ambiente e o comportamneto humano constituiram a primeira secção principal do programa. Esta conferência foi, aliás, preparada por uma Conferência Regional Latino Americana sobre Humanidades e Territorialidades, organizada em Belo Horizonte em Outubro de 2016, por iniciativa da UFMG com o CIPSH e a UNESCO, e com o apoio do ITM.

O novo paradigma, sobre o qual o ITM tem trabalhado, com o apoio acadêmico do Instituto Politécnico de Tomar – IPT (Portugal) e com parcerias alargadas nos diversos continentes, define desta forma o conhecimento (compreensão das relações entre fenômenos observados) e a logística (compreensão aplicada das relações entre necessidades e recursos) como o centro do comportamento humano, sendo a cultura, nas suas diversas declinações (culturas), o centro da sustentabilidade. Neste âmbito, são assumidos os vetores de sociedade, ecocomia e ambiente como fruto da atenção especializada, em grande medida com raiz na academia, sobre aspetos particulares dessas relações.

A dinâmica gerada pelos ciclos de conhecimento e logística, nas sociedades humanas, é cumulativa precisamente pela capacidade, cultural, de transmitir conhecimentos cada vez mais amplos às sucessivas gerações. Porém, a aceleração desse processo, acompanhada da crescente especialização, tende a dispersar tais conhecimentos e, por isso, a potencializar entendimentos parciais, desconexos e ineficientes. Daqui decorre a necessidade de estrururar centros de recursos (conhecimentos e saberes), como as comundiades de saberes tradicionais, as universidades, centros de ensino ou as bibliotecas. A novidade é que, na sociedade atual, em que o espaço se horizontalizou com a comunicação digital, não é mais possível assegurar dinâmicas locais sustentáveis com centros de recursos distantes, pelo que o Quadro de Referência de GCIT desenvolvido pelo ITM prevê, sempre, a estruturação local de um centro de recursos. É a partir deste que se pode estrutrar os debates sobre o futuro (prospetiva) em torno não apenas de problemas identificados mas compreendendo quais os dilemas com que, a cada momento, cada comunidade se defronta. É esta proposta que possibilita uma governança dinâmica, participada e sustentável. O esquema abaixo sintetiza este quadro de referência:

Slide GIT V2 Item 2 CULTURA.png

Desde 2014, o ITM passou a adotar a designação de “Gestão Cultural Integrada do Território”[5], ao invés de apenas “Gestão Integrada do Território”, devido à progressiva banalização desta última expressão com ações que não são verdadeiramente integradoras e não superam as limitações do modelo de tripé da sustentabilidade. A Gestão Ambiental Sociocultural Integrada é uma vertente estruturante da GCIT.

Quatro grupos de ações se tornam necessárias para implementar uma dinâmica de GCIT: formação (de toda a população), organização de uma matriz territorial resiliente (com foros de debate, espaços de memória e outras componentes), comunicação diversificada e multidireccional e, finalmente, interlocução institucional para a governança.

O Instituto Terra e Memória foi criado em decorrência destes processos de reflexão e atuação, tendo como missão buscar “respostas culturais para problemas e dilemas sociais, culturais e ambientais, através da valorização da memória e das ciências, numa lógica sistêmica”[6]. Essa missão tem hoje projetos de aplicação em diversos territórios na Europa, na África e na América do Sul (especialmente no Brasil).

Gestão Cultural Integrada do Território (GCIT) é o que faziam as sociedades que no passado foram bem-sucedidas. Num ciclo de mudança sistêmica global, todas as atenções se tendem a concentrar, alternadamente, em apenas um dos seus vetores: ora o financeiro, ora o social, ora o ambiental, algumas vezes o econômico, raras vezes o cultural… E todas essas atenções se vão deslocando de um para outro à medida de suas desilusões, constatando que não são mais eficazes e suficientes as soluções setoriais de problemas.

A GCIT supera estéreis debates sobre as opções entre crescimento e desenvolvimento e constrói um quadro de discussão em que a didática dos dilemas é o elemento nuclear, para a elevação das competências críticas dos indivíduos, de forma que estes possam decidir sobre o futuro coletivo. Neste processo, mais do que ambiente, economia ou cultura é a palavra território que se torna nuclear, e num futuro que se apresenta incerto e inseguro, a concorrência entre territórios e a sua possível certificação serão certamente realidades.

O início do terceiro milênio está sendo marcado por uma crise global que se exprime em todas as esferas: economia (re-organização dos mercados, dificuldades do sistema monetário internacional), sociedade (quebra acentuada da natalidade no planeta, desemprego estrutural em muitos territórios, crise da classe média no hemisfério norte), ambiente (crise energética, desertificação) e culturas (crescente mobilidade por motivos econômicos e de segurança, consequente questionamento das fronteiras (não apenas socioeconômicas e políticas mas, também, identitárias).

Não é a primeira vez que, apesar das aparências, ocorre uma crise sistêmica que afeta a rede de intercâmbios e a estabilidade social dos povoamentos ou cidades. Ainda que em escalas mais limitadas, mas apesar de tudo comparáveis em função da tecnologia de transportes e comunicações então existente, diversas civilizações no passado pereceram rapidamente perante a combinação de fatores ambientais e climáticos (o mundo Micênico, a Roma imperial, a civilização Maia, o império Asteca, etc.). Inversamente, face a crises igualmente sérias, não são raros os exemplos de desenvolvimento, ainda que através de grandes convulsões: a Europa afetada pela “Pequena Idade do Gelo” é um exemplo claro, que tem paralelos, por exemplo, na emergência das Missões Jesuíticas da Província do Paraguai, no século XVII.

Em certos contextos, como em outros, não foi a natureza dos insumos disponíveis, ou a sua melhor ou pior distribuição, o fator determinante, e sim a capacidade de por um lado aumentar o capital humano e, a partir deste, identificar novos insumos entre as mesmas matérias-primas, desenvolvendo a tecnologia adequada à sua exploração.

Os desafios do planeta, frente aos quais o ITM busca dar seu contributo, passam pela capacidade de promover a valorização de insumos e a tecnologia, sem rupturas ambientais ou sociais, a partir de uma diversidade de perspectivas culturais. Na metodologia desenvolvida, o objetivo é influenciar o futuro com base na mobilização de uma cidadania culta e consciente.


[1] Oosterbeek, L. ; Santos, L. et al. (2001). Barquinha. Portugal. IN: Peretto, R. (coord.), Monitoring of European drainage basins. Final report. Rovigo, Consorzio per lo Sviluppo Economico e Sociale del Polesine, pp. 89-129

[2] VVAA (2001). Seminário Internacional “Gestão do Território na Europa”. Tomar, CEIPHAR, série Area Domeniu vol. 1, 223 p.

[3] Scheunemann, I.; Oosterbeek, L. (Eds).2012. Um novo paradigma da sustentabilidade: teoria e prática da Gestão Integrada do território. Rio de Janeiro, IBIO.

[4] Reatório da “Comissão Brundtland”: O nosso futuro comum.

[5] Oosterbeek, L.; Quagliuolo, M.; Caron, L. (2016, eds,). Sustainability Dilemmas. Transdisciplinary contributions to integrated cultural landscape management. ITM, série ARKEOS, vol. 38-39, 626p.

[6] www.institutoterramemoria.org

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