As assembleias gerais de importantes empresas brasileiras realizadas no início desse ano tornaram palco circense dos conflitos de agência explícitos entre acionistas majoritários e minoritários.
Os pilares da boa governança brasileira amparados pela nossa legislação, principalmente as leis nº 12.846 e nº 13.303, começaram a ser chacoalhados, numa espécie de teste insano, medindo a resiliência e a integridade de nossas empresas neste período pandêmico.
Especificamente, assistimos as premissas da lei nº 13.303, considerada marco brasileiro na Governança de empresas públicas e de capital misto pela tentativa de blindar as empresas do uso político e reduzir brechas para corrupção depois de escândalos como o Petrolão, serem jogadas na “esgotosfera” política.
Não pude de deixar de associar esse cenário com o conceito de “banalidade do mal”, desenvolvido pela filósofa judia de origem alemã, Hannah Arendt (1906-1975), pois ele explica boa parte do contexto atual de Governança brasileira.
Entendendo o conceito de “banalidade do mal”
Hannah Arendt, consagrou-se uma das mais influentes filósofas políticas do século XX, desenvolvendo conceitos inovadores e corajosos, sendo altamente criticada naquela época por ter levantado questões sobre a ação cruel que conduziu ao holocausto grande parte da etnia judia, a qual fora sacrificada sem explicações.
A teoria da “banalidade do mal”, lançada por ela no seu livro “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”, se tornou um desafio ameaçador a toda e qualquer sociedade e cultura.
Este livro trata do julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém, um oficial da SS responsável por organizar a logística para a “solução final”, plano nazista para a exterminação dos judeus na Alemanha e seus territórios ocupados naquela época.
As reflexões de Hannah são decorrentes de seu acompanhamento presencial neste julgamento quando suas observações e percepções levantaram a questão do “quão comum” seria Eichmann, no cumprimento das ordens recebidas e de quão desprovido ele era de senso de pensamento crítico, no sentido do mesmo não questionar o que estava fazendo.
Em Israel, ela percebeu algo que ninguém imaginava. Eichmann não era um monstro cruel e antissemita convicto. Ele era tão medíocre que seria incapaz de ser um monstro. Eichmann era apenas uma pessoa buscando ascensão por meio de um sistema totalitário e teria entrado para a Gestapo para ganhar dinheiro. Em seu livro, Arendt ressalta que ele era tão medíocre que nem conseguiu subir para uma patente alta na hierarquia militar.
Esta obra causou polêmica, sobretudo entre a comunidade judaica, que acusou Arendt de ter minimizado o mal cometido por Eichmann e por nazistas como ele.
Analisando o mal pelo viés político
A partir desta percepção, Hannah Arendt defende que, como resultado da massificação da sociedade contemporânea, se criou uma multidão incapaz de fazer julgamentos morais, razão porque aceitam e cumprem ordens sem questionar.
Eichmann foi simplesmente um exemplo de como pessoas comuns são capazes de praticar o mal ilimitado. E nesta esteira, o mal torna-se banal. Não é considerado mais como algo surpreendente, fruto de mentes doentias, mas como um aspecto da sociedade, onde pessoas comuns o praticam. Hannah Arendt, ousou analisar o mal não pelo viés moral, mas pelo viés político.
Analisando os últimos dados dos rankings internacionais que o Brasil participa e tentando entender a temporada das Assembleias de 2021, esse conceito traduz o meu entendimento sobre a dinâmica de evolução da Governança do Estado e Corporativa Brasileira até agora.
A competência do governo está sendo duramente checada por uma sociedade civil em rede interconectada, amedrontada por uma pandemia e diuturnamente agredida pelo poder de uma mídia que privilegia e foca o domínio da mediocridade.
E, só e somente só o conceito da “banalidade do mal”, em sua essência, consegue explicação plausível para as últimas decisões da mais alta corte brasileira.