“Super Share”: o discreto e explosivo  avanço na Governança Pública brasileira

 No último biênio, avanços consideráveis e com consequências muito positivas  para o mercado de capitais brasileiro  ocorreram. Do lado corporativo assistimos , com a retomada de aspectos importantes na economia, a volta do interesse no nosso mercado de capitais na atração de um número maior de investidores e com muitas empresas se preparando para acessar outras fontes de financiamento que não apenas as derivadas do sistema financeiro. Do lado do setor público, iniciativas importantes tambem foram feitas no sentido de moralizar estruturas e políticas de nossas empresas e instituições públicas. As expectativas do mercado são bem positivas para os próximos anos considerando a manutenção do curso atual da economia.

Pontuo especialmente neste artigo, a importância do lançamento do decreto 9.203 de novembro de 2017 e alguns detalhes nas exigências da Lei 13.303 de junho de 2016 , conhecida como a Lei das Estatais, ou a  Lei da  Governança nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista que me parecem bem relevantes.

O decreto  9.203/2017 , dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta autárquica e fundacional, e instituiu o Comitê Interministerial de Governança – CIG com a finalidade de assessorar o Presidente da República na condução desta política. Este Comitê é composto pelo Ministro da Casa Civil como seu coordenador , e pelos Ministros da Fazenda, Ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e do Ministro da Transparência.  Tem como atribuição principal propor medidas , mecanismos e políticas que atendam aos princípios da Governança Pública definidos neste documento como: Capacidade de resposta, integridade, confiabilidade, melhoria regulatória, prestação responsável de contas e transparência.

Bastante relevante é a obrigatoriedade estendida a todos os órgãos e entidades do poder Executivo Brasileiro a instituírem o seu comitê interno de governança. Isso significa na prática a implementação e integração da gestão de riscos com o processo de planejamento estratégico  , dos estabelecimentos dos controles internos e da formalização do programa de integridade focando na prevenção, detecção e punição das fraudes e atos de corrupção em todos os órgãos e entidades públicas. É o Poder Executivo brasileiro assumindo a  responsabilidade pela elaboração, implantação , desdobramento e divulgação de boas práticas de governança em seu próprio território.

Ao examinarmos as  seções da Lei das estatais de 2016, que  versam sobre os Administradores , Conselho de Administração, Conselheiros independentes e Diretoria, percebemos a exigência da efetiva participação do Conselho de Administração em 3 campos de atuações: o primeiro, no direcionamento estratégico a uma Diretoria, o que significa explicitar o resultado a ser alcançado  e determinar o cumprimento de planos de acordo com os princípios e valores da empresa; o segundo, na homologação das estratégias , ou seja na escolha daquelas que mais interessam aos seus acionistas e; por último na monitoração e avaliação da Diretoria Executiva e seus membros.

Quanto aos detalhes, iniciamos chamando a atenção sobre a explicitação das competências exigidas dos administradores públicos, entendendo como tais, os indicados como Conselheiros de administração e membros da diretoria: ter formação acadêmica compatível com o cargo indicado, possuir experiência profissional de no mínimo 10 anos na área de atuação da empresa indicada e participar de treinamentos anuais específicos sobre legislação societária e de mercado de capitais, gestão de riscos, controles internos e código de conduta. E o que considero como mais importante, o veto na indicação de pessoas que exerçam cargo em organização sindical, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal e representante de órgãos reguladores que a empresa esteja sujeita, como também é vetada a participação remunerada de membros da administração pública em mais de dois Conselhos.

Considero como inovação não só a exigência  na composição do Conselho de Administração das empresas públicas e de capital misto de no mínimo 25% de membros independentes , como também o que esta  lei considera como independente, descritos através de sete critérios bem  definidos e todos precedidos do adverbio NÃO: não ter qualquer  vínculo com a empresa publica, não ser cônjuge ou parente consaguineo de chefe do poder Executivo de Ministro de estados, secretários etc…, não ser fornecedor e outros.

Todos os itens acima levantados, tem sido amplamente discutido entre estudiosos e especialistas em Governança Corporativa por equalizarem os processos chave das empresas estatais e de sociedade mista brasileiras às melhores práticas de governança corporativa do mercado global. Agora , deixam também um recado específico, bastante pertinente ao momento atual da sociedade brasileira: Empresas estatais e sociedades de capital misto brasileiras , através desta lei , deixam de ser alvo de  nepotismo, de meio financeiro para complementação de salários de servidores e que bate de frente com a percepção quase unânime por boa parte dos brasileiros de que nossas empresas públicas existem para ser cabide de emprego e facilitar o processo de governabilidade , minimizando os respectivos custos de transações.

Porém, percebo que, pouca atenção tem sido dada tanto pelos especialistas em Governança quanto pelos analistas de mercado ao que considero a cereja do bolo desta Lei, que é o seu artigo oitavo. Artigo que determina os requisitos necessários de transparência a serem observados pelas nossas empresas públicas e de capital misto.

O artigo oitavo começa com a exigência da elaboração de uma carta anual, assinada pelos membros do Conselho de Administração através da qual a empresa explicita e se compromete ao atendimento aos seus objetivos estatutários e sociais, prestando contas responsavelmente a sociedade de seus atos. Exige também a divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes sobre suas atividades, estrutura de controle, riscos, resultados econômico financeiros, políticas de transações com partes relacionadas e práticas de governança corporativa quanto a critérios, composição e remuneração de seus administradores.

A leitura atenta e cuidadosa deste artigo nos permite inferir a intenção dos técnicos elaboradores da Lei Das Estatais brasileira: garantir aos acionistas minoritários e investidores as ferramentas mínimas, mas efetivas de cobrança e de questionamento estratégico através do princípio Transparência. A estes técnicos antecipo meu reconhecimento pela astúcia, competência técnica e assertividade por colocarem como responsabilidade do Conselho de Administração de nossas estatais os processos principais de transparência e prestação de contas  à  sociedade.

Ao descrever o caminho das pedras aos minoritários, legitimado pelo Conselho de Administração da empresa, esta Lei pode funcionar como nitroglicerina pura quanto a postura de investidores e acionistas minoritários  que ganham estrategicamente um poder de grito e instrumentos de cobrança referentes aos atos e focos estratégicos destas instituições.

Explicando o título e fazendo uma analogia: O mercado conhece muito bem o conceito de Golden Share: quando uma empresa é privatizada, o Estado continua como acionista minoritário, mas com poderes especiais na gestão e nas decisões estratégicas da empresa. Neste artigo, “SuperShare” pode ser entendido como as novas posturas ativistas dos acionistas minoritários, analistas e  investidores , legitimadas por um Conselho de Administração que através da aprovação da política de transparência exigida pelo artigo oitavo da Lei 13.303 disponibilizam a faca e queijo na mãos dos analistas e acionistas minoritários para questionarem o que quiserem na condução das empresas públicas e sociedades de capital misto.

 Adriana de Andrade Solé :Engenheira, professora , autora e Consultora em Governança Corporativa e fundadora do canal do You tube Governança Já- 

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