Brasil computa avanços nas boas práticas de mercado

Por Maria Helena Tachinardi | Para o Valor, de São Paulo

Os primeiros anos da década de 2000 foram marcados por escândalos financeiros que abalaram o mercado mundial de capitais. Dez anos depois, a avaliação das medidas adotadas para evitar problemas de fraudes fiscais e contábeis, como os que envolveram a Enron, a WorldCom, a Tyco Electronics e a Parmalat, é positiva e mostra que o Brasil, hoje com um mercado acionário mais aquecido do que naquela época, está à frente de muitos países em relação às boas práticas de governança corporativa. Houve, efetivamente, um fortalecimento dos códigos de boa governança no mundo, em especial no Brasil, asseguram especialistas no assunto ouvidos pelo Valor.

Para Cristiana Pereira, diretora de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa, a mudança no panorama, no Brasil, não teve a ver com o caso da Enron; os movimentos foram paralelos. “Já existia um processo anterior, um projeto para mudança da Lei das S.A. tramitando há algum tempo. A partir de 2000, houve a criação do Novo Mercado, que é um divisor de águas, não só por ser um segmento na Bolsa, mas pelas transformações que vieram depois. Governança corporativa era um tema que não fazia parte das discussões do mercado de capitais, e hoje não se fala de abertura de capital sem falar de governança”.

A percepção sobre os avanços nessa área gera otimismo no mercado. “Os investidores internacionais estão confortáveis em investir no mercado de ações brasileiro. Tão importante quanto isso são as companhias perceberem que governança é algo que agrega valor, que aumenta a demanda pelos papéis da empresa. Quando emitir um título de capital, os preços das suas ações serão maiores. Quando emitir título de dívida, pagará juros menores. Estudos empíricos demonstram que qualidade de informação e governança geram valor”, acrescenta Marcos Barbosa Pinto, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Foco do problema das fraudes financeiras e contábeis no início da década, foram os EUA que adotaram o primeiro e mais celebrado conjunto de medidas: a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), aprovada pelo Congresso americano em julho de 2002, em resposta aos escândalos. Apesar de a Sarbanes-Oxley ser uma legislação nacional, praticamente tornou-se obrigatória para as empresas que desejam atuar no mercado americano. Ela regulamenta a criação do órgão de supervisão do trabalho dos auditores independentes, a responsabilidade corporativa, o aumento do nível de divulgação de informações financeiras, o conflito de interesse de analistas, o aumento das penalidades para crimes de colarinho branco, as fraudes corporativas e a prestação de contas.

No Brasil, em junho de 2002, a CVM lançou a cartilha “Recomendações da CVM sobre Governança Corporativa”, voltada para as companhias abertas. Antes disso, em 2001, houve a reforma da Lei 6404, que aumentou a proteção dos acionistas minoritários e trouxe de volta o tag along (que obriga o controlador a assegurar aos minoritários o preço mínimo de 80% do valor pago por ação ou lote de ações em caso de venda da empresa), diz Marcos Barbosa Pinto. Além disso, na mesma época, foi reformada a Lei 6385, “que aumentou bastante os poderes da CVM para fiscalizar o mercado”.

Esse movimento de regulação e de autorregulação ganhou força com o Novo Mercado, criado em dezembro de 2000 pela Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), e também com a atuação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que aumentou a transparência das ofertas públicas.

O que fez o Brasil avançar? Para o diretor da CVM, “foi uma grande atuação de consenso: a Bolsa fez o Novo Mercado, a Anbima criou a autorregulação de prospectos em ofertas públicas e a CVM atuou para mudar a lei, seja para proteger mais os interesses dos acionistas minoritários, seja para aumentar a transparência”. Nessa área, criou “o famoso formulário de referência, que dá uma quantidade de informações gigantesca para o investidor”.

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